domingo, 6 de março de 2011

Lembranças

Muitas vezes nos esquecemos de olhar para trás ou até mesmo evitamos trazer o passado à tona, porque, apesar das coisas boas, as tristes também estarão lá.
Mas será que vale a pena permaneceremos deixando a parte boa enclausurada naquela parcela do passado que evitamos até mesmo nas mais insignificantes situações? Será que vale a pena renunciarmos aos abraços, sem segundas intenções, dos nossos amigos de infância, aos sábados debaixo da jabuticabeira da casa do vovô, às conquistas pequenas de criança que nos faziam tão felizes? Será mesmo que vale a pena largar tudo isso pelas lágrimas que derramamos? Lágrimas derramadas por causa dos mesmos amigos que nos abraçaram, e que logo nos decepcionaram; lágrimas empurradas para fora da nossa alma, como se fossem a mais forte das enchentes que o mundo já viu; lágrimas que, mais do que nossas, eram e são daqueles que nos fizeram chorar. Vale a pena jogar fora junto com as dores as coisas que nos fizeram bem? Por mais que elas permaneçam acompanhadas de marcas e dores, vale a pena guardar as
lembranças, porque, mesmo que elas tenham nos destruído, também nos construíram.
Lembrança é algo particular, que vai muito além dos acervos históricos, até mesmo das fotos e dos dizeres de jornais. Lembrança; cada um tem a sua. Compartilhada ou não, a visão de cada lembrança é única, assim como aquele que a detém. Ninguém é cópia do outro, cada um é cada um, feito à mão, sem padrão de tamanho, de cor, de humor, de resistência. Cada um é indispensável para integrar o mundo, para colorir a vida e fazer algo distinto do que tudo que já foi feito.
Quanta perfeição em meio a tanta imperfeição! A perfeição da diferença, de ser único e a imperfeição de ser suscetível a falhar, inclusive no fato de querer ser igual a todo mundo. Quantas disparidades, quantos encontros... quantas coisas a serem ditas e quantas palavras faltam para traduzir o que há para se expressar.
Existem coisas que não vamos mudar em nós, mesmo que tentemos, de todos os jeitos, distorcer o que somos. Existem, porém, aquelas coisas que devemos e conseguimos transformar, como a falta de ânimo, a falta de fé, a falta de coragem. Conseguimos ser fortes em meio às fraquezas, conseguimos "matar" o medo quando damos o primeiro passo.
Nós conseguimos ultrapassar o limite de nossas pernas e braços, quando os usamos para sermos alguém, quando não somente nos servimos de nossos membros para satisfazermos desejos momentâneos.
Temos pernas para caminhar, para correr, pernas que também podem ser dobradas em oração. Temos braços para abraçar aquilo que é nosso e mãos para buscar o que ansiamos. Não deixemos, pois, os braços cruzados, as mãos abanando, e as pernas pro ar; pois se assim fizermos, além de nada, não seremos ninguém.
Devemos aprender que nunca seremos melhores e nem piores do que os outros, e que também não devemos buscar ser a cópia de ninguém. Sejamos o
melhor que podemos ser, mas o melhor de nós mesmos, sem que nos apropriemos do que não é nosso. Busquemos exemplos a serem tidos como motivação, como motivo de alegria, mas não tenhamos a petulância de querer ser quem não somos.
Ao mesmo tempo que surge uma dor, surge uma alegria, ainda que não percebamos. Portanto, nada é tão ruim que não possa nos ensinar alguma coisa, e nos trazer também sorrisos, boas lembranças, esperança. Não encaremos as perdas, as infelicidades, os "nãos" como o nosso fim; encaremos isso tudo como o sinal de que tudo vai ser melhor, de que está chegando aquilo que tanto esperamos. Não há limites para aquele que busca o bem, não há nada que seja impenetrável ou intransponível para aquele que acredita, para aquele que crê.



Escrito aos amigos do meu primeiro trabalho, em nossa despedida. Obrigada por tudo.
Texto de 25/02/2011

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